Que coisa! Estou no Aeroporto Internacional de Guarulhos, aguardando para embarcar rumo a Brasília. Acabei de tomar um suco de laranja e comer um docinho de banana. Peguei a carteira para pagar o meu consumo e a primeira nota que tirei foi uma de 5 reais, surradinha, aonde li, escrito a mão, 450 reais.
Não me dei conta em qual momento do dia, em qual troco, recebi essa nota: no restaurante onde almocei, no Center Norte, ou no estacionamento de veículos da Tuiuti, próximo à sede administrativa da Convenção das igrejas O Brasil para Cristo no Estado de Sao Paulo, onde estive reunido com o pastor Orlando Silva, em momento tão especial. Realmente não me lembro. Mas não pude deixar de sorrir quando percebi a brincadeira na nota.
Passei-a para a simpática jovem que cobrava o consumo no caixa e ela ficou olhando para mim, sem expressão, aguardando que passasse a diferença do valor. Eu esperando o troco. Ela esperando a diferença. Ela venceu. Riu, pela primeira vez, quando eu disse que a nota devia valer 450 reais. Ela nem argumentou. Estendeu a mão silenciosamente dando o sinal de que a nossa negociação havia acabado. Paguei a diferença, agradeci e saí.
Quando me afastei lamentei para mim mesmo – ainda no espírito da brincadeira – que não seria simples assim mudar o valor da nota. Imaginem? Uma nota de 5 reais poderia valer o tamanho da minha dívida no banco, por exemplo. Ou o valor do presente que a Srta Lívia me pediu para o aniversário dela desse ano – 9 anos – e do ano que vem, quando completará 10 anos. Ou, quem sabe, o tamanho dos problemas dos meus amigos!
Que pena mesmo que não seja assim! Mas a nota me levou também a outro raciocínio. Me vi nela. Uma “nota”. Uma “notinha mais ou menos surradinha”. Pessoas têm valor ou valores, e não preço. Ou pelo menos deveria ser assim. Colocando-me no lugar daquela “notinha” consigo ver em mim mesmo tantos rabiscos. Tantos números manuscritos! Tantas pessoas já colocaram em mim suas expectativas ou frustrações, ou seu julgamento, ou até mesmo se autoprojetaram. Alguns me deram muito mais valor do que eu tenho e outros muito menos valor do que seja justo.
Nesse exato momento, eu me lembro de outras “notinhas” como eu, ou “notonas” (risos). Desfilam em minha tela mental. Lembro-me de personagens bíblicos: José do Egito, uma “notona” cheia de rabiscos feitos por irmãos invejosos, ou pelo comerciante de escravos, ou pela mulher de Potifar e a sociedade egípcia dos seus dias. Lembro-me de outra “notona” chamada Moisés, rabiscado pela filha de faráo, depois pelo seu próprio povo, depois pelos egípcios, e por aí vai.
Quantos rabiscos! E o rei David? Que nota rabiscada! O próprio Jesus, para não falar de outros tantos, quanto essa “nota” foi rabiscada. Vejam, foi chamado de “beberrão, fanfarrão, pecador, blasfemo, chefe de demônios e etc, além, claro, de ter sido reconhecido como Cristo, profeta, Messias, Mestre, filho de Deus.
Lembrei-me do meu pai. Ele foi sempre minha referência de amor, de pastor, de amigo, de gente. Foi pastor por 40 anos da igreja onde cresci, na minha querida Santa Isabel. Um pastor normalmente é uma nota muito rabiscada.
Lembrei-me do Missionário Manoel de Melo. Ele foi um dos maiores líderes evangélicos do Brasil. Fundador da Igreja O Brasil Para Cristo. Foi preso 27 vezes por perseguição política e religiosa, sem nunca ter sido condenado por nada. Teve tendas e templos destruídos. Liderou um movimento nacional de evangelização que resultou num grande avivamento em todo o país e que se espalhou pelo mundo.
Que saudades deles dois! Conheço muito bem e de perto histórias incríveis, de perseguições, injustiças, acusações contra pessoas que não mereciam os carimbos que ganharam, os clichês. Algumas delas sucumbiram na tristeza, não conseguiram romper as cordas com as quais se permitiram amarrar. Outras enfrentaram seus destinos e superaram os obstáculos plantados em seus caminhos. E mais do que isso: se superaram.
Sabe o que você, eu e essas notas todas temos em comum? Temos em comum o fato de não sermos o que a vida rabiscou em nós – nem para mais, nem para menos. Da mesma forma, as pessoas não são aquilo que rabiscamos nelas. Somos o que somos.
Jesus, A NOTA, era muito bem resolvido. Tão bem resolvido que nunca se sentia pressionado a se impor ou a provar quem era ou a se justificar. Por isso, Ele foi capaz de pegar uma bacia e uma toalha e lavar e enxugar os pés dos seus discípulos num jantar. Tão bem resolvido que quando lhe disseram que uma multidão viria ao seu encontro para levá-lo nos ombros até a entronização, no lugar de Herodes, retirou-se discretamente para um lugar deserto, preferindo ir depois para a Cruz. Ele sabia quem era.
Aquela minha “notinha” que já não é mais minha, de 5 reais, e que deixei lá atrás, na lanchonete do aeroporto, lembram-se dela? A que alguém tinha escrito nela mesmo que valia 450 reais. Ela não vale os 450 reais que disseram que valia nem vale dois, três ou quatro reais. Mesmo surradinha continua valendo os mesmos 5 reais que valia quando foi impressa, ainda que com ela se compre menos do que se comprava quando saiu da impressão.
Bem, o que fica para mim dessa narrativa é que as pessoas podem superestimar ou subestimar e colocar suas marcas umas nas outras, mas assim como a nota de 5 reais não se tornou de verdade o que alguém disse que ela seria – uma nota de 450 reais, VOCÊ É O QUE VOCÊ É! E você é aquilo que deseja ser!
O problema para o critério de depreciação na vida está resolvido, graças a Deus, mas como fazer quando se precisa agregar valor? O que fazer quando uma “notinha” de 5 reais precisa valer 450 reais? Aí tem que haver uma soma. Outras 89 “notinhas” de 5 reais, por exemplo, surradinhas ou não, mas juntinhas com a nossa “notinha” equivalem aos 450 reais pretendidos. Esse é o único caminho para que a “notinha” de 5 valha 450 reais: ela tem que fazer parte de um todo, de um conjunto de notas que somadas correspondam aos 450 reais.
SE VOCÊ PRECISA “VALER” MAIS DO QUE VALE ESSENCIALMENTE, JUNTE-SE A QUEM PODE LHE AGREGAR O VALOR QUE LHE FALTA. Nada menos que isso!
Isso se aplica a vida nesse plano e na eternidade. É por isso que ninguém pode ir ao Pai sem ser pelo Filho – porque “nenhuma nota” tem sem Ele o valor necessário para Deus. Por isso, eu preciso desesperadamente dEle, todos os dias. Mas preciso também agradecer a Deus por todas as outras notas que somam comigo e me fazem valer, sem dúvida, muito mais do que o pouco que valho sozinho.
Cheguei em Brasília para mais uma semana de trabalho. Deus nos abençoe e ao Brasil!
* Roberto de Lucena é pastor, vice-presidente Nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT), escritor, conferencista e deputado federal.