*Por Roberto de Lucena
Eu estava no Plenário do Senado Federal quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, determinou a abertura do placar que apurou os votos dos senadores na conclusão do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
2016, dia 31 de agosto – 13 ao contrário (o número do Partido dos Trabalhadores) – um dia que entrou para a história. Era pouco mais de 13h30. A maioria dos senadores concluiu que houve crime de responsabilidade nas pedaladas fiscais e que a presidente deveria ser punida com a perda do seu mandato eletivo, pondo fim a um ciclo de 13 anos em que o PT esteve no poder. De novo o 13!
Pouco tempo antes, Renan Calheiros, presidente do Senado, havia discursado de forma contundente. Em certo momento, Renan disse que o resultado, fosse qual fosse, poderia carregar um equívoco, mas mesmo assim, deu a entender que não se absteria de votar, abrindo mão de sua prerrogativa. Disse que votaria a favor do afastamento definitivo de Dilma e assim o fez, como se verificou na apuração. Na dúvida ou não em relação ao cometimento do crime, além de Renan, 61 outros senadores votaram SIM, pela cassação, de maneira diferente de 20 dos seus pares.
Enquanto eu procurava discernir os olhares, os gestos, as expressões, de um lado e do outro, em poucos segundos, assisti a um filme em minha tela mental: lembrava-me da sessão na Câmara dos Deputados, transcorrida no dia 17 de abril, véspera do meu aniversário de 50 anos, onde a maioria dos parlamentares decidiu admitir o processo de impeachment e encaminhá-lo ao Senado. Na ocasião, a Comissão Especial que analisou o tema aprovou por maioria de votos o relatório do líder petebista, o deputado goiano Jovair Arantes, e o encaminhou ao Plenário, pela admissibilidade.
A Bancada Verde decidiu acompanhar o relatório aprovado e votar em bloco favoravelmente, dando oportunidade à defesa e à acusação de aprofundarem suas teses, sendo a primeira bancada da Casa a fechar um entendimento e a manifestar sua posição. E nessa fatídica sessão, ao encaminhar o meu voto, disse ao então presidente deputado Eduardo Cunha:” senhor Presidente, porque o Brasil merece uma oportunidade, porque o Brasil merece uma nova chance, por respeito ao povo de São Paulo e por amor à nação, eu VOTO SIM.”
Foram dias tristes. Tratava-se de uma batalha sem vencedores – haviam apenas vencidos, de certa forma. Era a segunda vez desde a redemocratização, que um Presidente da República estava sendo afastado, e isto é péssimo para o Brasil. Pouco tempo depois da proclamação do resultado da decisão do Senado, às 16 horas, Michel Temer foi empossado, no mesmo Plenário, como Presidente da República Federativa do Brasil, para o exercício do mandato até 31 de dezembro de 2018.
Em 2014, 54 milhões de brasileiros elegeram pelo voto direto e democrático a chapa Dilma/Temer para presidente e vice-presidente da República. Os votos que Dilma teve, Temer também teve. Não é honesto dizer que ele não teve votos. Quem votou no 13 naquela ocasião elegeu a ambos! Quem vota numa chapa de presidente e vice-presidente, mesmo sem considerar a possibilidade de que ocorra um impedimento, sabe que no impedimento do titular – seja por doença, morte, impedimento legal ou renúncia –, o vice assume. Isto é óbvio!
O mantra que se entoa, chamando de golpe o processo de impeachment, não é razoável e tampouco honesto. O impeachment é um instituto legal, tratado em um capítulo específico da Constituição Federal, e com ritos bastante severos, que envolvem tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal. No processo de Dilma Rousseff, todas as fases rituais foram vencidas, todas as etapas foram cumpridas, dando oportunidade de sustentação, tanto à defesa quanto à acusação.
Em meu entendimento, elementos haviam no processo que justificavam tanto a absolvição quanto a condenação. A aplicação da letra da lei inclinou-se para o desdobramento que se consolidou porque essa foi a vontade política. E não houve boa vontade política para outra construção, em função de uma conjugação de variáveis que envolveram: a perda de autoridade do governo; a incapacidade de gestão; os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo pessoas chaves, tanto do governo quanto do Partido dos Trabalhadores, inclusive com a prisão de alguns de seus principais ícones (e é justo destacar que esses escândalos não limitaram-se exclusivamente a essa sigla partidária, mas também a outros partidos, inclusive aliados); a inabilidade no diálogo com o Congresso; a crise econômica que provocou um verdadeiro ‘industricídio’, onde milhares de indústrias encerraram suas atividades e mais de 12 milhões de trabalhadores formais, da indústria, do comércio ou de outros setores, ficaram desempregados em todo o país; a escalonada da inflação, que chegou aos dois dígitos; o comprometimento dos programas sociais; a perda do apoio popular. Nenhuma dessas variáveis sozinha seria em si o ambiente pleno para a gestação do impeachment, mas a conjugação dessas variáveis foi o que criou a “tempestade perfeita”, o “ambiente perfeito” para tal.
No discurso que proferi na tribuna da Câmara dos Deputados no dia 16 de abril, na véspera da votação da admissibilidade do processo de impeachment, usando o tempo de liderança do Partido, disse que o impeachment em si não era a solução para os graves problemas do Brasil. Esses problemas não estariam solucionados no dia seguinte como em um passe de mágica, apenas porque a presidente teria tido seu mandato cassado. Seria o início de uma nova etapa, de um caminho longo e de uma transição difícil. E para ser, de fato, o começo de uma saída para o país, o impeachment teria que vir acompanhado de outras ações.
Mantenho minha convicção e o entendimento de que o preço a ser pago por todos é elevadíssimo. Continuo defendendo o “estado necessário” em vez de uma máquina pública inchada, lenta e cara. Continuo defendendo a limitação objetiva dos gastos públicos e o imprescindível ajuste fiscal nas contas do governo. Continuo apoiando as operações desencadeadas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal no combate à corrupção, bem como o endurecimento da lei contra a corrupção – posição que adotei desde 2011 quando iniciei meu primeiro mandato.
Continuo defendendo uma Reforma Fiscal, não apenas para aliviar a esdrúxula carga tributária que esfola os ombros dos que pagam impostos nesse país e trabalham quatro dos 12 meses do ano apenas para pagar impostos, mas também para simplificar essa equação, desburocratizando o sistema e unificando impostos em torno de até seis rubricas. Defendo também, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional, ainda na fase de coleta de apoiamentos, o congelamento dos salários de todos os políticos no exercício de mandatos eletivos, desde agora e pelos próximos cinco anos. Clamo à classe política que ela corte na própria carne, que faça, ela mesma, um emblema positivo do processo de enfrentamento da crise econômica, a qual maltrata o nosso povo e sobretudo os mais vulneráveis, os que podem menos.
Defendo a fixação dos juros no cartão de crédito e no cheque especial, nos patamares originalmente propostos no texto constitucional, limitados à 12 % ao ano (PLPs 291/2016 e 278/2016). Defendo que o Governo formule, discuta com o Congresso e execute um plano de retomada de geração de emprego e renda, de proteção ao trabalhador desempregado e endividado. Aliás, há tempos venho chamando a atenção para os impressionantes e alarmantes dados do endividamento da sociedade brasileira e, em especial, da classe C. Apresentei um Projeto de Lei (PL 5264/2016) que impede a execução do imóvel residencial por agente financeiro ou instituição bancária, quando o comprador se tornou inadimplente por ter ficado desempregado e, por mais de seis meses, não conseguiu se recolocar no mercado de trabalho.
São diversas as frentes. O Governo poderá contar com o meu apoio e o meu voto no processo de superação das dificuldades. “Não sou de Paulo e nem de Apolo”. Sou independente. Votarei com o Governo as propostas necessárias e importantes para que o Brasil vença a crise que o envolve e retorne aos rumos do desenvolvimento. Estarei na mesma direção sempre que o Governo estiver ao lado do pobre, do trabalhador, dos aposentados e pensionistas, da família e de Israel. Na vida real cada qual escolhe o lado que quer ficar e eu já escolhi o meu há muito tempo: o meu lado é o do Brasil!
* Roberto de Lucena é pastor, escritor, conferencista, deputado federal, vice-presidente Nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT), e presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa na Câmara Federal.