Dia do Índio é lembrado por Roberto de Lucena, que cobra justiça ao povo indígena

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, celebramos hoje, 19 de abril, o Dia do Índio. Temos muitos motivos para celebrar. No entanto, não podemos dizer que tenhamos motivos para comemorar.
É necessário que o Brasil faça justiça ao índio, ao índio tão espezinhado, tão dilapidado, tão excluído dos processos nacionais ao longo destes 5 séculos de nossa jovem história.
Falar de justiça aos povos indígenas é um tema, especialmente neste momento, muito constrangedor nesta Casa, uma vez que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou recentemente a PEC nº 215, de 2002, que, na prática, significa retirar do Poder Executivo a competência para a demarcação de terras indígenas.
Algumas vozes têm se levantado em defesa dos direitos dos povos indígenas. Eu tenho me somado a essas vozes, feito coro elas, um pequeno e solitário coro. E, quando o faço, ao ocupar esta tribuna, faço-o para, muitas vezes, denunciar tantos desmandos, tantas injustiças e para questionar a política de isolacionismo de nossos índios, defendida por alguns. Quando eu o faço, Sr. Presidente, sobram-me críticas, recados, ameaças por parte de alguns espertos. Inclusive, pelo fato de eu ser Parlamentar de primeiro mandato, mandam-me recados, referindo-se a mim como “parlamentar pé de chinelo”.
Ocorre que não vou desistir. Não vou parar. Não vou recuar. Não vou deixar de atuar em defesa dos povos indígenas do Brasil não só com o coração, mas também com todos os instrumentos e todas as ferramentas parlamentares que me são disponíveis.
Quem sabe, Sr. Presidente, não esteja passando da hora de instalarmos uma CPI da FUNAI, como aquela que ocorreu em 1999, ou uma CPI da Saúde Indígena, como realizada em 2008, ambas nesta Casa, para que possamos entender de fato como têm sido aplicados os recursos destinados aos povos indígenas do Brasil! Para também entendermos o porquê da demora em muitos processos administrativos de demarcação de áreas, assim como o motivo de tantas mortes de crianças, motivadas por falta de efetiva assistência na área da saúde, ou vitimadas por outros tipos de violência, violência que muitas vezes conta com a conivência e com o silêncio das instituições e órgãos oficiais que desenvolvem as políticas públicas indígenas neste País, aos quais caberia, em tese, a proteção desses abandonados à própria sorte.
Pasmem, Sras. e Srs. Parlamentares: muitas áreas indígenas no Brasil apresentam o maior índice de mortalidade infantil do mundo, a exemplo do Vale do Jari. Essa realidade é muito triste e merece ser acompanhada de perto pelo Congresso Nacional.
Sr. Presidente, quando cheguei a este Parlamento animado pelo desejo de fazer mais pelos povos indígenas do Brasil, o que encontrei?
Encontrei projetos de leis que aqui tramitam há anos e que parecem não sensibilizar a mais ninguém ou sensibilizar apenas a um pequeno grupo – projetos como o PL nº 2.057, de 1991, que dispõe sobre o Estatuto das Sociedades Indígenas, e o PL nº 1.057, de 2007, que tem como objetivo proteger crianças indígenas de violência.
Encontrei também Parlamentares trabalhando contra a demarcação de áreas indígenas, ONGs disputando entre si poder e espaço.
Encontrei instituições e profissionais estrangeiros querendo impor-nos a forma de lidar com nossos índios.
Encontrei a FUNAI desacreditada, desmantelada e com uma série de problemas – e eu quis cooperar na construção de soluções, na busca de saídas, mas sequer fui recebido pelo Presidente do órgão.
Encontrei os antropólogos divididos entre diversas correntes e uma educação e uma saúde indígena com poucos resultados.
Encontrei – e assustei-me – com a tendência cada vez maior de se isolar por completo os nossos índios, como se fossem eles meros objetos folclóricos para serem mostrados aos turistas, impondo-lhes o esquecimento e o abandono nas florestas e o não acesso aos direitos fundamentais.
Faz-se necessário, Sr. Presidente, que se coloque um ponto final nas separações, nas brigas, nas disputas e nas confusões; que se ponham de lado as diferenças ideológicas; que se unam as forças em defesa dos povos indígenas, lembrando-se sempre que eles precisam fazer parte do processo, precisam ser ouvidos e respeitados.
A boa notícia dos últimos tempos vem do Tribunal Superior Eleitoral: em decisão inédita, proferida em processo administrativo, em 6 de dezembro de 2011, aquela Corte afirmou que o índio isolado no Brasil pode votar. A decisão, que parece absurda ou insignificante e foi criticada por alguns, representa, a meu ver, uma das maiores afirmações de que o índio é um cidadão pleno, com direitos como todo brasileiro, e que seus direitos devem ser respeitados, esteja ele em área isolada ou não, seja ele de qualquer etnia.
Aliás, essa decisão contradiz os relatos do jornalista australiano Paul Rafaellle, autor de um documentário feito no Brasil. Segundo o jornalista, ele só conseguiu produzir esse documentário depois que pagou 7 mil dólares de propina para entrar em uma área de índios isolados, onde ficou muitos dias filmando o cotidiano do povo suruwaha. Na condição de Parlamentar, membro do Congresso Nacional, em algumas ocasiões tentei acesso aos índios zoes quando de sua passagem por Brasília, mas não me foi permitida pela direção da FUNAI. No entanto, um jornalista australiano, que diz ter pago pedágio, consegue ter acesso a eles no seu ambiente natural, lá passando uma semana para fazer um documentário – e eu denunciei o fato ao Ministério Público.
Em seu blog, o jornalista afirma ter presenciado situações de total desrespeito aos direitos dos índios e à vontade deles, como o fato de representantes da FUNAI negarem aos índios suruwahás o direito de terem uma camiseta para se proteger dos mosquitos que picam a sua pele, sob a alegação de que a camiseta não faz parte da cultura daquele povo. Ora, Sras. e Srs. Deputados, a camiseta não faz parte da cultura, mas a picada de insetos e a dor fazem?
Coisa semelhante aconteceu com os índios zoes, que, ao pedirem panelas para facilitar o preparo dos alimentos, receberam de funcionários da FUNAI a resposta de que eles não tinham o direito a panelas, porque grupos de antropólogos haviam determinado que panelas não faziam parte da sua cultura.
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que garante ao índio isolado o direito de votar, vem reafirmar que o índio tem, sim, direitos neste País. Ele tem o direito de não sentir dor, de não mais sofrer, de se alimentar com dignidade. Ele tem direitos plenos, como cidadão pleno. A decisão nos faz lembrar que o índio tem, acima de tudo, o direito à vida, o direito de ser ouvido.
Nós, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, ao defender o índio, estamos fazendo a defesa das nossas origens; estamos fazendo a defesa da cidadania; estamos fazendo a defesa do direito daquele que aqui já estava quando a nossa sociedade começou a ser foi construída.
Quando olhamos para a situação dos povos indígenas, não podemos nos omitir. Temos que votar e aprovar neste plenário a Lei Moadi, que defende a criança indígena e que promove a vida a uma condição acima da cultura. Vejam bem, Srs. Deputados: em algumas etnias indígenas do nosso País, ainda são eliminadas as crianças que nascem doentes, que nascem com defeito físicos, que nascem gêmeas, que nascem de mães solteiras. Essas crianças são sepultadas vivas. É uma questão cultural. Estamos lutando nesta Casa para a aprovação da Lei Moadi, já com parecer favorável da Comissão de Direitos Humanos. Precisamos imprimir celeridade à matéria, considerando que ela é um instrumento para proteger as crianças indígenas, proteger a vida, Deputado Padre Luiz Couto – reporto-me a V.Exa., que é um defensor da vida neste Parlamento.
Quando levantamos essa bandeira, por vezes escutamos que se trata de questão cultural. E, aí, precisamos decidir o que está acima do quê. A vida está acima da cultura ou a cultura está acima da vida? Precisamos inclusive responsabilizar aqueles que representam o Estado junto aos povos indígenas e que se omitem, fazem vista grossa diante de situações como essas.
Eu denunciei aqui, no último ano, situações como a do Puxirão, mas não vou voltar falar sobre isso hoje. No entanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero chamar a atenção de V.Exas. para o compromisso que este Parlamento deve ter na defesa e na proteção dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
Que saiamos deste plenário com os ouvidos abertos para ouvir mais os índios e com a disposição de reconhecer, de fato, a autoafirmação desses povos, como determina a Convenção nº 169, da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Que viva o índio brasileiro!
Que Deus abençoe o Brasil!
Que Deus abençoe as comunidades indígenas brasileiras!
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Era o que eu tinha a dizer.

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