Ano Nacional de Combate à Violência Praticada contra a Criança Indígena

Conforme anunciado pelo deputado Roberto de Lucena em seu pronuciamento hoje no Plenário, em razão da comemoração pela passagem do Dia do Índio em Sessão Solene por ele solicitada, o parlamentar anuncia o registro do Projeto de Lei 1121/11 de sua autoria que institui o ano de 2014 como o Ano nacional de combate à violência praticada contra a criança indígena.

Era junho de 2008,  e a vida transcorria no seu ritmo característico na Capital Federal. O clima ameno e o vento seco marcavam mais um inverno típico de Brasília, enquanto os parlamentares despachavam normalmente nesta Casa de Leis. Ao mesmo tempo, a menos de 50 quilômetros do Congresso, uma indiazinha indefesa estava sendo impiedosamente massacrada, num grotesco e macabro crime de violência sexual.

Jaiya Xavante, adolescente franzina, medindo apenas 1,35 m de altura e pesando 33 quilos, era brutalmente empalada com um objeto contundente, covardemente introduzido pela vagina e pelo ânus. O objeto rasgou Jaiya por dentro – perfurou o baço, o estômago e o diafragma. A menina não conseguiu gritar, era muda. Também não conseguiu correr, era cadeirante.

Apesar da barbaridade ter acontecido dentro das dependências de um abrigo do Distrito Federal, mantido pelo Governo Federal, ninguém acudiu. Mais de 50 pessoas estavam no local – incluindo enfermeiros, seguranças, faxineiras e indígenas em tratamento médico. Ninguém viu nada de suspeito, ninguém percebeu coisa alguma. A pequena Jaiya não resistiu – morreu dois dias depois de infecção generalizada numa mesa de cirurgia no Hospital HUB.

Mais de 2 anos se passaram e ninguém sabe de nada, ainda. Parentes desconversam, achando que a menina deve ter comido alguma coisa que fez mal. Funcionários guardam um silêncio de tumba. As investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal foram encerradas – aparentemente, não existem culpados.

Vergonhosamente, a violência e a impunidade que o caso  Jaiya Xavante ilustram não constituem exceção. De acordo com um relatório do UNICEF de 2004, a sobrevivência das crianças indígenas está muito mais ameaçada do que a das outras crianças.

“As crianças indígenas fazem parte dos grupos mais vulneráveis e marginalizados do mundo, por isso é urgente agir a nível mundial para proteger a sua sobrevivência e direitos”[i]

 

Perpetuação da Violência contra a criança e o Adolescente Indígena

 

A violência contra a criança indígena não é apenas a violência criminal, evidenciada em casos extremos como o da indiazinha Jaiya. Ela é antes de tudo uma violência estrutural, perpetrada não só por indivíduos, mas por grupos e/ou instituições que deveriam protegê-las. Essa violência se revela de maneiras múltiplas, muitas vezes dissimuladas e ideologizadas, revelando as contradições de nosso indigenismo de dominação[i]. Esse tipo de violência se reflete nas estruturas organizadas, muitas vezes embutidas nas organizações familiares, políticas, econômicas e sociais, que conduzem à opressão dos mais vulneráveis. Esses sistemas injustos negam as vantagens da sociedade aos indivíduos mais fracos, distorcem a percepção de justiça e perpetuam práticas criminosas que atentam contra a dignidade humana de nossas crianças e adolescentes.

Além disso, a violência estrutural cria o cenário propício para que crimes bárbaros como a violência sexual contra a indiazinha Jaiya Xavante fiquem impunes e sem solução, perpetuando assim o estado de abandono e invisibilidade das crianças e adolescentes indígenas. As mortes não são investigadas, muitas delas não chegam nem a ser registradas. Os índices de suicídio juvenil em povos como Kaiwoá e Suruwahá estão entre os mais altos já registrados na literatura médica mundial. As razões da altíssima taxa de mortalidade infantil nas comunidades indígenas continuam sem explicação. A desnutrição em algumas áreas indígenas é semelhante à desnutrição encontrada em crianças que vivem no deserto do Saara.

Face à esses dados e outros de grande impacto, o deputado Lucena apresentou PL que objetiva a colocação na pauta nacional sobre o tema, para que O Poder Legislativo possa elaborar e executar durante o ano a que se refere esta lei, um programa específico de combate a violência contra a criança indígena que reflita as causas, que promova a prevenção e o combate eficaz a este tipo de violência.

“Somente trazendo o assunto para o centro das atenções de toda sociedade poderemos de fato mobilizar o país e consequentemente o Parlamento para que ações eficazes alcancem resultados claros e objetivos, trazendo igualdade de tratamento por parte do Governo e Autarquias e também possa promover a justiça social aos povos indígenas”, declara Lucena.

 


[i] Neto, O. C. & Moreira, M. R. , 1999. A concretização de políticas publicas em direção à prevenção da violência estrutural, em Ciência & Saúde Coletiva 4(1):33-52


[i] relatório do Centro de Investigação do UNICEF, em Florença. (Innocenti Digest N0 11, 2004, Florence)

 

 

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